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26 de Abril de 2024

Por que no Brasil e logo agora?

Publicado por Inácio Nery
há 11 anos
Tradução da notícia ¿Por qué Brasil y ahora?, publicada no Jornal El País em 17/06/2013 por Juan Arias, jornalista e correspondente deste jornal no Rio de Janeiro.

Está gerando perplexidade, dentro e fora do país, a crise criada repentinamente no Brasil pelo surgimento dos protestos nas ruas, primeiro nas ricas cidades de São Paulo e Rio, e agora estendendo-se a todo o país, inclusive por brasileiros no exterior.

Por agora, existem mais perguntas para entender o que está acontecendo, do que respostas às mesmas. Há um certo consenso de que o Brasil, até agora invejado internacionalmente, vive uma espécie de esquizofrenia ou paradoxo que ainda tem de ser analisado e explicado.

Começamos com algumas perguntas:

Por que surge, agora no Brasil, um movimento de protesto similar àqueles que estão quase de volta em outros países do mundo, quando durante dez anos, o Brasil viveu como se estivesse anestesiado pelo seu êxito partilhado e aplaudido mundialmente? O Brasil está pior hoje do que estava há dez anos? Não, está melhor. Pelo menos é mais rico, tem menos pobres e cresce o número de milionários. É mais democrático e menos desigual.

Como se explica então a presidenta Dilma Rousseff, com taxa de aprovação popular em 75%, - um recorde que chegou a superar o popular Lula da Silva -, ser vaiada repetidamente na inauguração da Copa das Confederações em Brasília, por quase 80.000 torcedores da classe média que puderam se dar o luxo de pagar até 400 dólares por uma entrada?

Por que saem às ruas a protestar pela subida de preços dos transportes públicos, jovens que normalmente não usam esses meios de transporte, porque já têm carro, algo impensável há dez anos?

Por que protestam estudantes de famílias, que até pouco tempo nem sonhavam ver seus filhos pisarem uma universidade?

Por que aplaude aos manifestantes a classe média C, chegada da pobreza e que pela primeira vez na vida tem sido capaz de comprar uma geladeira, uma lavadora, uma televisão e até uma moto ou um carro de segunda mão?

Por que o Brasil, sempre orgulhoso de seu futebol, parece estar agora contra a Copa das Confederações, chegando a manchar a abertura da Copa das Confederações com uma manifestação que produziu ferimentos, prisões e medo nos fãs que foram ao estádio?

Por que esses protestos, incluindo violência, em um país invejado até mesmo pela Europa e pelos Estados Unidos pelo seu desemprego quase nulo?

Por que se protesta nas favelas, onde seus habitantes têm visto sua renda ser duplicada e a paz recuperada, que antes lhes havia sido roubada pelo narcotráfico?

Por que, de repente, se colocaram em pé de guerra os indígenas que já possuem 13% do território nacional e têm o Supremo sempre ao seu lado nas suas reivindicações?

Será que os brasileiros são ingratos com quem lhes têm ajudado a melhorar de vida?

As respostas a todas estas perguntas, que causam em tantos, começando pelos políticos, uma especie de perplexidade e assombro, poderiam se resumir em poucas questões.

Em primeiro lugar, se poderia dizer que, paradoxalmente, a culpa é de quem deu aos pobres um mínimo de dignidade: uma renda não miserável, a possibilidade de ter uma conta bancária e acesso ao crédito para comprar o que sempre foi um sonho para eles (eletrodomésticos, motos ou um carro).

Talvez o paradoxo seja devido a isto: ter colocado os filhos dos pobres na escola, privilégio que não puderam gozar seus pais e avós; ao ter permitido todos os jovens, brancos, negros, indígenas, pobres ou não, irem para a universidade; ao ter dado para todos acesso gratuito à saúde; ao ter livrado os brasileiros do velho complexo de culpa de "cães vira-latas"; ao ter conseguido tudo o que transformou o Brasil em apenas 20 anos em um país quase de primeiro mundo.

Os pobres recém-chegados à classe média têm tomado consciência de terem dado um salto qualitativo na esfera do consumo e agora querem mais. Querem, por exemplo, serviços públicos de primeiro mundo, que não são; querem escolas que além de lhes acolher, tenha qualidade de ensino, que não existe; querem uma universidade não politizada, ideologizada ou burocrática. Querem-na moderna, viva, que lhes preparem para o trabalho futuro.

Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, sem filas desumanas, onde sejam tratados como pessoas. Querem que não morram 25 recém-nascidos em 15 dias em um hospital de Belém, no Estado do Pará.

E querem sobretudo aquilo que lhes falta politicamente: uma democracia mais madura, na qual a policia não siga atuando como numa ditadura; querem partidos que não sejam um “negocio” de enriquecimento (como diz o próprio Lula), querem uma democracia onde exista uma oposição capaz de vigiar o poder.

Querem políticos menos corruptos; querem menos desperdício em obras que consideram inúteis, quando ainda faltam casas para oito milhões famílias; querem uma justiça com menos impunidade, querem uma sociedade menos abismal em suas diferenças sociais. Querem ver na cadeia os políticos corruptos.

Querem o impossível? Não. Ao contrário dos movimentos de 68, que queriam mudar o mundo, os brasileiros, insatisfeitos com aquilo que já alcançaram, querem que os serviços públicos sejam de primeiro mundo. Querem um Brasil melhor! Mais nada!

Querem definitivamente aquilo que lhes ensinaram a desejar para ser mais felizes ou menos infelizes do que foram no passado.

Tenho ouvido algumas pessoas dizendo: “Mas que mais quer esta gente?"A pergunta me faz lembrar daqueles pais que depois de dar tudo a seus filhos, segundo eles, estes ainda se revoltam.

Esquecem-se as vezes os pais, de que a este “tudo” faltou algo que para o jovem é essencial: atenção, preocupação com aquilo que ele deseja e não com o que as vezes lhe oferecem. Precisam não só ser ajudados e protegidos, levados pela mão, querem aprender a serem eles os protagonistas.

E aos jovens brasileiros, que têm crescido e tomado consciência não só do que já têm, como também daquilo que ainda podem alcançar, falta-lhes justamente que lhes deixem ser mais protagonistas de sua própria historia, ainda mais quando demonstram ser extremamente criativos.

Que o façam, isso sim, sem atos de violência, porque violência já lhes sobra neste maravilho país que sempre preferiu a paz em detrimento da guerra. E que não se deixem cooptar por políticos que tentarão montar em seus cavalos de protesto, para esvaziá-lo de conteúdo.

Em uma faixa lia-se ontem: “País mudo é um país que não muda”. E também, dirigido à policia: “Não dispare contra meus sonhos”. Alguém pode negar a um jovem o direito de sonhar?

Por: Juan Arias

Fonte: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/06/17/actualidad/1371432413_199966.html
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Brilhante artigo. É disso que precisamos, mais atenção. Não precisamos mais de políticos corruptos, de obras superfaturadas, de instituições públicas que não funcionam apesar dos altíssimos salários de seus componentes. Não precisamos de administrações mediocres em nossas prefeituras e de gente querendo levar vantagem. Temos uma economia de primeiro mundo e podemos ser um povo de primeiro mundo, com serviços públicos de primeiro mundo. Dinheiro existe, pois os impostos são caríssimos, mas temos que gastar com sabedoria e cientes da importância do dinheiro que é público, de todos. continuar lendo